Gustavo Alonso

Doutor em história, é autor de 'Cowboys do Asfalto: Música Sertaneja e Modernização Brasileira' e 'Simonal: Quem Não Tem Swing Morre com a Boca Cheia de Formiga'.

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Festival de Parintins é a festa mais legal do Brasil

Festejo folclórico do Norte do país ainda luta para ser reconhecido nacionalmente

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Neste fim de semana, nos dias 28, 29 e 30 de junho se realizará em Parintins, no Amazonas, o festival de boi mais famoso do Brasil. A tradicional disputa entre os bois Caprichoso e Garantido é infelizmente pouco conhecida fora da região Norte, apesar de a festa ter uma estrutura de altíssimo nível.

Fui jurado do Festival de Parintins em 2023. Assisti a uma festa ao mesmo tempo folclórica e cosmopolita, que em nada deve ao desfile das escolas de samba no Sambódromo.

Os bois Garantido e Caprichoso se apresentam no 'bumbódromo' de Parintins durante o festival de 2023

A primeira disputa entre os bois Caprichoso e Garantido remonta ao ano de 1966. Ao longo dos anos, o festival cresceu tanto que em 1988 foi inaugurado o "bumbódromo" da cidade, uma arena multiúso que durante os festejos recebe altos investimentos de luz e som.

Apesar da distância de quase 400 km da capital do Amazonas, há um alto envolvimento das elites manauaras na condução da festa. Muitos vão de avião ou mesmo de barco para pelo menos um dos três dias do festival. É uma festa que envolve interesses municipais, estaduais e regionais. Só falta o Brasil de fato conhecer a festa.

O espetáculo concorre com as maiores festas de massa do Brasil, como os Carnavais do Rio de Janeiro, do Recife e de Salvador, a Oktoberfest de Blumenau (SC), o Rock in Rio, os São João de Campina Grande (PB) e Caruaru (PE) e o Rodeio de Barretos (SP). Ouso dizer que, para o público que acompanha ao vivo, trata-se da megafesta mais interessante que pode haver no país.

O "bumbódromo" não é uma avenida e os bois não "passam". Eles apresentam alegorias, dançarinos, personagens e carros alegóricos em uma arena em formato de teatro grego de gigantescas proporções. Cada boi se apresenta por duas horas e meia, elaborando performances que remetem às tradições locais.

Grande parte dos profissionais do festival são os mesmos que trabalham nas grandes festas carnavalescas Brasil afora, o que faz com que as vestimentas, alegorias e carros alegóricos não devam nada em ostentação.

Apesar da longa duração da apresentação, em nenhum momento o público se cansa. Diferentemente dos repetitivos samba-enredos cariocas, os bois amazonenses não cantam apenas uma toada durante a apresentação.

Compostos por excelentes músicos e com som de altíssimo nível proporcionado pelos organizadores do festival, a marujada do Caprichoso e a batucada do Garantido, como são conhecidos as bandas de cada boi, cantam diversas músicas que constroem paisagens sonoras que não devem nada às melhores óperas do mundo.

Em meio a canções de outras épocas, que garantem êxtases a cada velho sucesso relembrado, toca-se também a nova toada do presente ano, momento de empolgação maior.

A grande novidade deste ano foi que a TV Globo anunciou que transmitiria nacionalmente a festa. Historicamente as transmissões dos bois de Parintins eram realizadas por emissoras locais. Em alguns poucos anos houve veiculação nacional pela TV Cultura e pela Band, mas seguidos desentendimentos levaram ao fim das transmissões nacionais.

Atualmente a transmissão é realizada pela TV A Crítica, afiliada da RedeTV! local, que conduz um impressionante trabalho, embora não tenha alcance nacional. O problema será mitigado pela transmissão ao vivo através do YouTube, sempre às 20h. Imperdível!

A Globo percebeu o potencial dos festejos de Parintins após o sucesso de Isabelle Nogueira, cunhã-poranga do Boi Garantido, como terceira colocada no BBB 24. A cunhã-poranga é uma personagem das festas do boi, mulher de bonitos traços indígenas, cujo papel na encenação encontra similaridades na rainha de bateria do Carnaval carioca, mas vai bastante além.

Por causa de Isabelle, o BBB 24 chegou a marcar médias acima dos 40 pontos de audiência em Manaus, cidade que mais assistiu ao reality show no Brasil.

A transmissão da Globo foi até anunciada no Jornal Nacional. No mês de maio, o Fantástico cobriu exaustivamente, durante várias semanas, o caso de Djidja Cardoso, ex-sinhazinha do boi Garantido, que morreu aos 32 anos num esquisito episódio de uso de entorpecentes químicos, o que levou à abertura de investigação sobre o tráfico dessas substâncias na região. Parecia tudo encaminhado para alimentar o público com as fofocas e as disputas locais, sempre acirradas.

Mas as negociações não avançaram como esperado. A TV A Crítica não gostou da movimentação sem sua consulta prévia e dificultou a negociação e o canal local continuará com o evento até o fim do acordo em 2025.

Uma das dificuldades da transmissão nacional é como fazer uma festa tão regional dialogar com o resto do Brasil sem que haja equívocos e desconhecimentos sobre as características do festival. Foi o que desgastou a transmissão da Band entre 2008 e 2012, nas quais se viu um show de simplismos e etnocentrismos dos apresentadores José Luiz Datena e Patricia Maldonado. Outra dificuldade é a longa duração da apresentação de cada boi, que pode dificultar a venda de cotas comerciais. Nada que não possa ser resolvido com negociações inteligentes.

É uma pena que não será este ano que o Festival de Parintins finalmente chegará à Globo. A TV carioca demorou a perceber a importância da festa que há décadas movimenta boa parte do Brasil num mar de alegria que une discursos folclóricos, indigenistas e ambientais. Quem sabe ano que vem!

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